A interessante discussão entre os nossos colaboradores por causa do desabafo de Bronstein (post anteontem, 24 de Junho) levou-me a investigar um pouco mais.
Bronstein faleceu no dia 5 de Dezembro 2006 e o GMI Hans Ree escreveu uma necrologia (título "The Sorcerer - o Mágico") na revista "New in Chess" (nº 2007/1, p. 86). O parágrafo "Dark Present, Rosy Utopia" (copiado aqui acima, clicar para ampliar) é capaz de ser esclarecedor.
Em 1982 Bronstein escreveu, junto com o cientista Georgiy Smolyan um livro "Chess in the Eighties" (ed. Oxford): "a celebration of chess as an art, a condemnation of chess as a sport".
Como podemos ler nesse parágrafo, Bronstein estava na altura muito desencantado com o xadrez contemporâneo: "The games proceed likes trains on a track that has been in use for centuries. Do chess players think? No, they just worry that they will make a mistake. Do they enjoy the beauty of chess? Not at all, they are addicted to the tension of competitive sport." A futura "Utopia" de Bronstein é diferente: "In magnificent chess theatres multi-media chess shows will be performed from which all competive spirit has disappeared. Super-grandmasters will perform miracles of intuition and logic like intellectual magicians and the audience will see them as soloists with an orchestra rather than as winners and losers".
Agora, mais de 25 anos depois, os teatros de xadrez com os mágicos existem, mas em relação ao desaparecimento do espirito competitivo Bronstein não tinha razão. E quanto a mim: ainda bem!
26 comentários:
O inglês para mim é como uma fruta exótica, até que não vá até onde ela cresce, dificilmente a possa degustar...
O.K. Alberto, fair enough :),
mas muito boa literatura de xadrez existe apenas em inglês, para a maioria dos terrestres mais fácil do que espanhol ou (Deus me livre!) russo...
Bronstein disse (mais ou menos): "Os jogos avançam como comboios sobre carris, usados durante séculos. Será que os jogadores pensam? Não, estão apenas preocupados com a possibilidade de cometer um erro. Será que eles gozam a beleza do xadrez? Nem por isso, estão viciados na tensão do desporto competitivo."
E o seu "Utópia: "Em magníficos teatros de xadrez vai haver performances de espectáculos xadrezísticos multi-media, totalmente livres do espirito competitivo. Super GMIs vão realizar milagres de intuição e de lógica como mágicos intelectuais e o público vai considerá-los antes como solistas numa orquestra do que como vencedores e derrotados."
...muitA boa literatura...(embora?)
Estás a ver, Alberto? Este tipo de erro não há no inglês: MUCH good literature :)
E penso que será mais correcto escrever: "muita literatura boa" e "literatura muito boa" ("VERY good literature"). O inglês é muito mais fácil, caramba!
Olá Rini, te percebo perfeitamente. Isto de não arranjar equivalentes idiomáticos exactos nas línguas que aprendemos ao longo da vida, utilizando como medida universal uma língua padrão, como pode ser a língua nativa, ou este bendito Inglês tão prático e pragmático, por vezes, é algo habitual e corrente. Talvez seja só teórico, mas suspeito que TODAS as línguas são auto-suficientes, na medida que forem assimiladas a tal ponto que já o próprio portador não distinga se a língua que domina é nativa ou 2ª-3ª---e por ai fora...
No caso concreto da "adjectivação quantificada" (não faço ideia do termo estabelecido), é engraçado até.
Vejamos:
"Há muita boa literatura", diria-se em "bom" português. O sentido comum (or "common sense", ne?) dum forasteiro como eu, ou como tu, logo poderia indicar certa pleonástica imperfeição naquela contracção qualificativa. Ora bem, pelo contrário, se o analisássemos desde a óptica de um nativo, aquela "MUITA BOA" até ficaria perfeito demais, já que faz poupar a particula "E" dentro da frase, supondo ao mesmo tempo as duas coisas. É dizer, na frase "MUITA BOA LITERATURA" supõe-se ao mesmo tempo:1º - que é de facto mais do que só boa; 2º que alem de sê-lo, é muita...
Por tanto, temos: "MUITA BOA LITERATURA", onde podia-se dizer: "MUITA E BOA LITERATURA"
Conclusão: a variante portuguesa é melhor do que, por exemplo a inglesa, pela capacidade de síntese que intrinsecamente leva. O que é preciso, na minha opinião, é estarmos à altura desta língua que tem uma base declaradamente ANALÍTICA, o seja, criada qual orquídea no jardim das linguagens.
Não sei se me explico :)))
Senão, posso voltar a repetir (valha a redundância :))
Igualmente, aquilo é "batatinha", em comparação com o magnificamente minimalista:
"MUITO POUCO"!!!
Tendo sido o rastilho, do esgrimir de argumentos, de vários colegas de blog, gostaria de clarificar uma imagem.
No meu encontro com o Bronstein em 97, de forma alguma se pode dizer que o GM foi antipático. Nunca negou o autógrafo durante a conversa.
Sugeriu-me o livro que estava a ver quando o abordei. Contou-me que jogaria o torneio de semi-rápidas. Quanto ao autógrafo, apenas disse que na opinião dele, achava estar a estragar a edição ao assinar. Recuou a mão algumas vezes, e assinou com muito cuidado. Foi bastante cordial. De facto parecia sim, um pouco adoentado, com pouca energia... Explicado agora pelo "Ya bolen!", que disse então ao Mestre Luyks.
Quanto à sua opinião, do Xadrez não ser um assunto muito sério em geral. Penso que não significa que o GM não o encarou de forma séria na sua vida. Alguém que deu tanto de si ao Xadrez. Vice-campeão. Apenas refere que não quer ser estrela genial, que é uma pessoa normal. Como qualquer outra que pode sobreviver por sorte, a uma guerra mundial...
No entanto com a originalidade radical de Bronstein, é fácil encontrar polémica. Ele nem gostava do sistema de rating. Tomava essa numeração em analogia com outra em campos de concentração...
Quanto à desilusão com a evolução do Xadrez. Com a perda da fantasia artística, passando para as grandes performances técnicas dos desportistas de top mundial. Aqui, já acho que o Xadrez segue o seu próprio caminho, através dos tempos. Através das gerações, pela cultura em mutação. Mas penso que a beleza do jogo, será sempre uma das atracções.
Quanto à utopia do Xadrez sem competição, também não me agrada. Ter de se ser combativo, é outra das atracções. Mas já existe a composição de problemas, com audiências multi-média...
É com deleite que vejo dois cidadãos do Mundo, de outras Línguas nativas, num excelente Português, a elogiar a beleza da Língua Portuguesa. Pródigo domínio.
Rato do Alekhine
Olá Hugo,
no teu último comentário, entre outras importantes coisas, intui alguns elogios da tua parte, quanto aos que cá escrevem. O Rini Luyks merece todos os elogios (se ele não os aceitar, não lhe faças caso).
E agora, digo-te porquê:
A língua mais difícil de todas é, e ali sim que o Rini não me vai deixar mentir, é a própria língua nativa!
Só nos falta aprender japonês para trocar os elogios à maneira...:)
Oi pessoal,
por falar nas línguas, "recuar atrás", soa tão redundante como "baixar abaixo" em português?
Ou pode haver alguma excepção? Obrigado
No mundo da política e das empresas e dos tachos existe a expressão "cair para cima".
Bom exemplo: quando a ponte de Entre-os-Rios caiu em 2001 (cinquenta e tal mortos) o Ministro dos Transportes Jorge Coelho ("Coelhone") demitiu-se. Agora ele é o chefe da empresa Mota-Engil, construtora de pontes (e outras coisas) e deve ganhar uma fortuna. "Cair para cima", Alberto, em Portugal é possível (na Holanda também, "omhoogvallen")
Obrigado, Rini, mas ainda fico na dúvida, é que estou a construir algo e não é precisamente um prédio :)
Apelo à solidariedade...
~ RECUAR ATRÁS ~
O "BOM" PORTUGUÊS PERMITE COMBINAR ESTAS DUAS PALAVRAS?
Eu só conheço no francês:
"Reculer pour mieux sauter" :)
(Recuar para saltar melhor)
Ditado muito útil no xadrez, aliás (para gatos, cavalos, ratos, etc.)
Obrigado, Rini.
Aquilo de que a língua materna é a mais difícil de todas, fica comprovado.
Dois pedidos de explicação do Português - duas tentativas de resposta de um Holandês!
E os nativos...Claro, os nativos não chegaram ainda a ler estes comentários :)
La tercera es la vencida!?
RECUAR ATRÁS...ESTÁ BEM DITO?
Olá Alberto,
Recuar para trás é um pleonasmo ou seja repetição do mesmo termo ou ideia, isto porque recuar é andar para trás.
O pleonasmo tanto pode ser uma virtude quanto uma vício, dependente se é intencional ou casual.
Um exemplo de uma utilização intencional:
"O cadáver de um defunto morto que já faleceu"
Impressionante, Renato.
Valeu mesmo a pena ter esperado!
Obrigado, caro aborígene, não só de xadrez vive o homem..
Pois caro Alberto, é uma figura de estilo. Aqui a liberdade é total em termos literários, como em outras Línguas penso eu. Até podes chover se quiseres...
Um pouco como o 6.Bxf7+ do Rui na 6ª ronda, outra figura de estilo audaz e corajosa, mas sem preocupações de rigor “gramatical” (ele que encontre a defesa se fôr capaz...).
Rato do Alekhine
Olá Hugo,
acho que estás muito perto, quando falas de poder chover.
Obrigado pela sugestão, é que de facto aquele "recuar" estava-me a fazer a vida impossível numa tentativa poética que de passagem estou a edificar...Sempre em português!
Está mesmo a chover a cântaros, e eu quase estou a terminar aquele pensamento rimado, que proximamente mostrarei...
É caso para dizer, Alberto: "estou certo que não vamos perder pela demora" (o teu poema), embora eu tenha ouvido essa expressão mais vezes como ameaça :))
Sabes, Rini, a esta altura, acho que, especialmente nas rimas, tudo é um "intercâmbio" natural, por não dizer, plágio. Deve-se aquilo a que a quantidade de rimas é bem finita, e as combinações, se bem são muitíssimas, tendem, volta e volta, a se repetirem entre si. Por isso, eu não gosto da poesia, o melhor dito, desse seu lado rítmico previsível, até a banalidade.
E é por isso, quando encontro alguma poesia (de Pushkin, Pasternak, Blok, Esenin, Pessoa, Pessanha, Alexo, por citar só alguns)---e, apesar de toda a promessa daquela "banalidade rítmica", me encontro só com diamantes e pérolas das melhores, fico logo parvo, a calar sobre o que é o pode ser a Poesia.
Na poesia verdadeiramente boa, penso que o leitor nem dá conta da rima nem do ritmo.
Tive o privilégio de ler Homero durante dois anos na escola. Ainda me lembro dos primeiros versos da Odisseia, exactamente por causa da cadência natural do ritmo: Ándra moi énnepe Músa, polútropon 'ós mala pólla, plánchtè epéi Troiés, ierón ptoliétron epérse....
Que venga la PAYADA, Alberto!
No Verão do ano passado abordaste o assunto no meu outro blogue "Anacruses".
"Amor mííío, vienes tááárde, e luegóóó te vás tempráááno"! (post 26-8-2008).
Peço desculpa aos caros leitores por esta pequena erupção poética...
Para quem estiver interessado: hoje (30 de Junho) no site "Chessvibes" (na lista dos nossos favoritos internacionais) uma crítica das reedições de dois livros clássicos: "My 60 Memorable Games" de Robert Fischer e "The Sorcerer's Apprentice" de David Bronstein!
Népa!
Bom artigo. O “My 60 memorable games” do Fischer, parece ser mais para adeptos do que para aprendizes. A ter em conta. Obrigado.
Rato do Alekhine
"My Sixty Memorable Games" tenho no formato "paperback" original (4ª edição, 1980) na notação Anglo-Saxónica.
Para nós hoje em dia é chato, mas tem um encanto especial ler Cf3 como "King's Knight to King's Bishop Three". É mesmo da época!
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