Os meus episódios de convívio mais intensos com Walter Tarira aconteceram sem dúvida no Verão do ano já bastante distante de 1992. Tão distante que ainda não tinha entrado em vigor a Lei dos Estrangeiros ou seja: como holandês, ainda em fase de "legalização extraordinária", eu podia participar em todas as competições individuais.
Joguei o campeonato interno do SL Benfica, o distrital de Lisboa no velho Estádio da Alvalade, onde obtive um lugar entre os seis primeiros, resultado que deu acesso à Finalíssima de Lisboa e ao Torneio Preliminar do Campeonato Nacional Individual Absoluto (com direito a participação na Final em caso de qualificação!).
Aquele Torneio Preliminar, disputado nas instalações da Juventude da Galiza em Lisboa, correu-me bem. Após um "slow start" (2 em 4, derrota contra mestre Fernando Silva, em mais de 20 anos só consegui um empate acidental contra ele) fiz uma sequência de 3 vítorias contra campeã nacional Alda Carvalho, ex-finalista Alberto Ferreira e mestre António Pereira dos Santos. Nas últimas rondas joguei contra dois jovens, as revelações do torneio: António Vítor (empate) e Luís Sousa Reis (que já tinha vencido os mestres João Cordovil e Sérgio Rocha).
Num jogo de muitos nervos ele deu-me a oportunidade de executar um sacrifício clássico numa Defesa Catalã: (diagrama)
21. Cxf7!
Assim partilhei (meio ponto atrás do vencedor Carlos Pereira dos Santos) o 2º lugar no torneio com Fernando Silva, Fernando Ribeiro, o saudoso Pedro Parcerias, António Vítor e Vítor Morais.
Walter Tarira tinha estado presente nas últimas rondas e durante o convívio depois do torneio ele convidou-me para acompanhá-lo no Open de Ílhavo, umas semanas mais tarde.
Uma condição: o convite incluia campismo obrigatório, Walter oferecia o meu lugar no parque. Pareceu-me um desafio interessante, eu já não jogava um torneio nestas condições desde 1975: o tradicional Campeonato Aberto da Holanda com um parque de campismo só para xadrezistas. (Foi neste torneio que conheci o mestre brasileiro de ascendência holandesa Herman van Riemsdijk que visitou há dias a sede do GX Alekhine!).
Parte da nossa preparação para Ílhavo era uma "jornada de treino" no famoso Laboratório do Walter em Salvaterra de Magos. Ele já me tinha falado desse seu "santuário" e foi um privilégio para mim ser admitido. Uma bela casinha de campo, com mantimentos para uma curta estadia, uma mesinha de xadrez, uma prateleira com (poucos) livros de xadrez.
Mas o segredo do Laboratório não estava na preparação técnica, estava na preparação mental! O Walter revelou-se um verdadeiro Guru: ele falava e falava, muita verdade filosófica com gestos e mímicas pelo meio.
Um papel fundamental nesta preparação mental estava atribuido ao habitante permanente do Laboratório: o coelho Jerónimo. Lembro-me nitidamente que passámos algumas horas a estudar o comportamento do Jerónimo e só posso dizer que me fez muito bem!
Ao fim da tarde terminámos o estágio com uma bela Sopa da Pedra em Almeirim, a cidade-berço deste prato, lá perto.
No dia seguinte viajámos calmamente de carro em direcção a Ílhavo, mais precisamente ao parque de campismo em Vagos.
O torneio foi uma maravilha: a tranquilidade no campismo, o "pep-talk" diário do Walter ao almoço, as viagens de carro entre Vagos e Ílhavo ao longo da Costa da Prata com "os algarvios" Vítor e Roxo no banco de trás.
O ambiente criado pelo Walter no convívio fora da sala de jogo deu frutos no torneio: um 4º lugar com 5 em 7, empates contras os mestres António Silva e Jorge Guimarães e a "Francesinha de Ílhavo", alcunha que o Walter atribuiu à minha vitória surpresa contra Luís Galego.
Muitas vezes quando nos encontravamos depois, Walter lembrava a "Francesinha", pela última vez há uns meses quando jogámos com o GX Alekhine em Alverca contra os seus Peões.
Walter, o Peão nº 1.
2 comentários:
A inesperada visita de Herman merece um post.
Walter merece todos os posts que sejam possíveis.
É verdade, Aleg.
Quem tirou as fotos na sexta feira no clube com o Mestre van Riemsdijk?
Rui?
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