quarta-feira, 22 de julho de 2009

Desenrascanço

Há uns meses um site humorístico americano elegeu "as 10 palavras estrangeiras mais fixes que fazem falta à língua inglesa".
No 10º lugar: "Bakku-shan", palavra japonesa para uma rapariga bonita, mas vista de costas; no 6º lugar: "Nunchi", em coreano é alguém que fala sempre do assunto errado num convívio; no 2º lugar: "Tingo", expressão usada na Ilha da Páscoa, significa pedir emprestado a um amigo ate ele ficar sem nada. E o vencedor? Portugal!
"Desenrascanço: a arte de encontrar uma solução para um problema no último minuto, sem planeamento e sem meios."
A coisa mais parecida com "desenrascanço" na América, parece que foi a personagem do agente secreto "Macgyver", ele não usava armas e resolvia os problemas com várias engenhocas, muitas vezes com ajuda do seu canivete (na função de ferramenta, não de arma branca, claro!).
A lista completa das "10 Coolest Foreign Words" podemos ver em http://www.cracked.com/article_17251_10-coolest-foreign-words-english-language-needs.html .
O site dá uns exemplos de desenrascanço: "quando se usa um cabide de arame para apanhar as chaves do carro que cairam no retrete" ou "um bigode arranjado de emergência com pêlos púbicos".
O último exemplo não me convence muito como tipicamente português, mas assisti a uma variante do primeiro exemplo na companhia do saudoso Walter Tarira, na véspera do torneio de Ílhavo em 1992 (post 18 de Julho).
Acabámos de chegar lá. A barriga estava a dar horas, por isso fomos almoçar, antes de montar as nossas tendas no parque de campismo.
Mas aconteceu uma infelicidade: ao sair do carro Walter fechou a porta bem fechada....deixando as chaves todas na ignição. Uns palavrões bem escolhidos, uma fase de auto-comiseração, uma fase de resignação: Walter convenceu-se que tinha de estilhaçar um vidro, paciência.
"Mas primeiro vamos almoçar, quem sabe ocorre-nos uma ideia".
Claro que não nos ocorreu nada e uma hora mais tarde estávamos outra vez a olhar para o carro. O Walter ainda refilava, mais baixinho agora, mas ainda suficientemente audível para chamar a atenção dum transeunte local cuja aparição se revelou providencial.
"Olha, o vidro está aberto!". disse ele. Aberto? Bem, quer dizer: uma fenda de pouco mais de um centímetro... Mas os olhos do homem já começaram a brilhar de entusiasmo: "Um momento. Volto já!"
Poucos minutos depois ele voltou com um metro de arame e começou uma tarefa hercúlea que ia demorar mais de uma hora. Primeiro ele dobrou um lado do arame numa pega e o outro lado num gancho para pescar o molho de chaves. Este dobrar já era um trabalho delicado: um gancho demasiado aberto não ia segurar o molho de chaves, mas demasiado fechado não entrava no anel do porta-chaves. Além disso o arame tinha que ser dobrado em vários ângulos para chegar até à ignição através da fenda na janela. Claro que uma situação invulgar como esta não passou despercebida e em pouco tempo uma pequena multidão juntou-se à volta do carro, uma circunstância que aumentou consideravelmente a responsabilidade do herói local com o seu arame. Incentivos e conselhos soaram de todos os lados, o homem ficou com cara vermelha e veias salientes pelo esforço, mas afinal ele conseguiu tirar as chaves do carro.
ALELUIA!
Um grande abraço do Walter e voltámos todos ao café onde tínhamos almoçado para celebrar a façanha.
Foi um desenrascanço à maneira!

8 comentários:

disse...

Simplesmente, magistral!

Renatus disse...

Fantástico! logo à noite vou tentar desenrascar uma vitória com o Edgar Pereira.
Vou ter que me desemerdar de alguma forma, palavra esta que não existindo na língua Portuguesa, poderia constituir um bom sinónimo.

Rini Luyks disse...

Caro Renato, espero que te consigas desemerdar (claramente um galicismo) com jeitinho!
A música no próximo post é para ti.

Rini Luyks disse...

O que aconteceu, Renato?
Grande resultado do MN Afonso Rodrigues e também do jovem Luís Rebelo Santos, alías.
Já vi um Youtube da entrega dos prémios, com algum protagonismo de alguns alekhinistas...: http://www.youtube.com/watch?v=EUuL3vPImkQ.
O Afonso Rodrigues visto em perfil (aos 4 min. 40 seg.) é bastante parecido com Anand, pá!

Renatus disse...

Rini,
Não me desenrasquei, este torneio foi muito penoso para mim, sinto que estive a jogar bastante abaixo das minhas possibilidades.
Ontem saí muito mal da abertura, o Edgar esteve a estudar uma variante e eu não encontrei a melhor resposta.
Sendo positivo tenho como atenuante o facto de estar a mudar um reportório, até agora invariavelmente abria com e4, neste instante estou a jogar c4 e linhas d4.
É muito diferente, vai demorar muito tempo, e estudo até as coisas entrarem nos eixos.
No fundo estou satisfeito que o torneio tenha terminado, as manobras de fora do tabuleiro do Vitor Guerra também me afectaram bastante.
Por outro lado estou confiante, sei que os bons resultados virão, sou muito lutador e não é um torneio inferior que me vai mandar abaixo, esperem pelo meu regresso.
abraços e obrigado por todo o vosso apoio

disse...

Grande posição a tua, Renato.
Orgulho-me de ser teu colega de Equipa!
Boas férias

Anónimo disse...

Para falar em torneios penosos, cá estou eu. Como analisou muito bem o Mestre Afonso, logo após o meu último jogo: “Fizeste um torneio de merda!”.

As principais surpresas que tive, depois de muitos anos sem jogar, foi constatar que os meus amigos de adolescência, Afonso e Guerra, eram Mestres. Parabéns a ambos belo bom torneio, especialmente ao Afonso, com uma performance de 2481!

Outra surpresa foi o Diogo Fernando, com quem jogava rápidas à Sexta à noite no Belém Clube, e agora é quase GM.

A razão porque falo das diferenças que encontro no Xadrez, é devido à jovem esperança - Luís Santos. Com uma subida de força meteórica, e tão novo, estou certo que estamos na presença de um potencial GM. Mas esta situação parece um pouco em contra-ciclo no Xadrez Nacional, ou não?!

Mérito tem de ser dado ao Mestre Guerra com cerca de 500 alunos. Já está a dar frutos. Haverá mais?

Caro Renato, como diria o Alberto - perdemos a luta contra nós próprios... por agora. Até ao nosso regresso!

Rato do Alekhine

Rini Luyks disse...

Caro Rato, fico confortado ao saber que até um xadrezista quase 20 anos mais novo do que eu já começa a olhar para trás em saudade :)!
Mesmo assim acho que ainda és muito novo para músicas como aquela de Charles Aznavour que postei há pouco (bem gostava de chegar à idade dele nas mesmas condições físicas!).

Inteiramente de acordo quanto à tua observação sobre o jovem Luís Santos. Mestre Vítor Guerra merece louvores para o seu trabalho na Escola 31 de Janeiro.

Infelizmente (como Renato já apontou num comentário) parece que o seu comportamento "didáctico" neste Masters de Lisboa deixou muito a desejar. Renato queixa-se de "manobras fora do tabuleiro", outro alekhinista António Garcia até decidiu abandonar o torneio após uma experiência muito desagradável (e se for verdade o que António contou até ilegal e merecedora duma intervenção arbitral) nos apuros de tempo.
Fiquei surpreendido com estes relatos: conheço Guerra como um jogador correcto. Um exemplo: quem vai ao Elo-FIDE Rating Chart dele repara em fluctuações, subidas e descidas bastante acentuadas ao longo dos anos. Na altura do Torneio Alekhine Inverno 2004 Vítor tinha um elo 2280, o seu melhor de sempre, perto do título Mestre-FIDE então.
Só que este torneio correu-lhe muito mal e ele perdeu 46 pontos. Conheço jogadores que nessa situação abandonam logo um torneio depois da primeira derrota e sem perspectivas de mais adversários "interessantes". Vítor não fez isso, comportamento louvável.
Ainda menos entendo por isso o que aconteceu agora.
Se isso fosse um caso de tribunal o procedimento desejável seria um "acareação".
A questão é que vai haver mais torneios...