segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Canadá existe? (Jan Hein Donner - 1971)



Afinal o meu conterrâneo MF Theo Hommeles (2412, na foto contra GMI Ni Hua) não conseguiu fazer história no Open Canadian 2009 em Edmonton. Depois da sua tão surpreendente como brilhante vitória na 8ª ronda contra o GMI Ni Hua (2701), o modesto Theo encontrava-se de repente no grupo dos oito primeiros classificados, junto com os super-GMIs Shirov e Adams!
Mas na última ronda ele perdeu sem hipótese contra GMI Mark Bluvshtein (2598) que ganhou assim o torneio. (Partidas a ver em http://monroi.com/watch/?tnm_id=1289 ).
Os xadrezistas holandeses vibraram com as façanhas do Theo, não só por causa do seu xadrez (ele jogou muito bem contra mais dois GMIs 2600+), mas também por causa do lugar da acção: Canadá!
Isso pede uma explicação: há uns 40 anos, já depois da "era de Euwe" mas ainda muito antes da "era de Timman", nasceu na Holanda uma rivalidade entre dois jogadores sobre a questão quem era na altura o melhor xadrezista do país: Jan Hein Donner ou Hans Ree?
Até meados dos anos '60 não havia dúvida: era o GMI Donner, ele ganhou campeonatos da Holanda e uns torneios internacionais importantes (Hoogovens 1963, Veneza 1967, à frente de campeão mundial Petrosian). Mas começou então a subida de Ree: 2x campeão júnior da Europa em 1965 e 1966, campeão da Holanda em 1967, 1969 e 1971 e uma grande surpresa: co-vencedor do Open do Canadá 1971 em Vancouver, junto com campeão mundial Boris Spassky!
Foi após esta vitória em Vancouver que Jan Hein Donner publicou na revista "Schaakbulletin" (predecessor de "New in Chess") o seu famoso artigo "Bestaat Canada?" ("Does Canada exist?", incluido no livro "The King - Chess Pieces" , J.H.Donner, ed. New in Chess 2006, muito recomendado, uma crítica em http://www.chessville.com/reviews/TheKing.htm ).
Aqui acima o original em holandês que vou tentar traduzir (mas não sou tradutor literário...)
"O Canada existe?"
"Hein!", a minha querida companheira chamou-me, foi logo depois das notícias da uma. "Disseram agora que Ree está na frente num torneio na América com muitos pontos!" "Ha ha ha", ri-me, bem disposto na minha caminha quente, "pois, pois, e na Sibéria aterraram discos voadores, sairam montes de homenzinhos verdes, não é, parvinha?"
Mas ela não estava a brincar, insistiu que tinha ouvido bem. Não posso dizer que fiquei muito abalado com a notícia, é uma das qualidades mais simpáticas dela: está-se completamente nas tintas para o xadrez. "Ela deve ter ouvido outra coisa", pensei.
Mas no dia seguinte eu próprio ouvi. Sim, Ree tinha 6 pontos e meio em 7 no Campeonato Aberto do Canadá em Vancouver. À noite apareceu mesmo no jornal.
"Aiaiai, aquela serviço de informação da ANP (tipo de Agência Lusa holandesa), outra vez tão miserável! Deve ter sido 2 e meio em 7 ou 6 e meio em 14. E provavelmente também não se trata de Ree , mas do jogador Plee, ainda pouco conhecido no estrangeiro. Já vi tantas coisas deste género, não me vou enervar com isso". Assim pensei eu, mas mesmo assim comecei a sentir uma certa inquietação. De facto, eu sabia que Ree estava com a ideia de ir a América, eu até encorajei-o pessoalmente a concretizar essa intenção. Que maluquices foi ele fazer lá naquele país distante?
Na quarta feira à noite vi o Henk Kersting em "De Kring" (uma tertúlia literária). Ele é o director da ANP, tem simpatia pelo xadrez. A ele devemos a boa informação sobre os matches de Candidatos.
"O Ree está a jogar bem, não é?", disse ele. (Mas o que é isso!??) "8 pontos em 9 partidas ", ele tinha recebido a notícia directamente de Vancouver.
Após a minha insistência repetida e receosa, ele admitiu: a possibilidade duma anomalia num satélite de comunicação não estava completamente fora de questão. "A hipótese é remota", disse ele, o último erro grave tinha acontecido há 35 anos, mas ele reconheceu: a possibilidade existia...
E agora acabo de encontrar Kapsenberg, de volta do congresso da FIDE em Vancouver. Ele assistiu a tudo, como disse. "Ree e Spassky juntos no primeiro lugar".
E agora, que faço agora?
Não me levem a mal, pessoalmente não tenho nada contra Kapsenberg. Quero dizer: o secretário da nossa Federação é um homem trabalhador e naturalmente de boa fé. Não acredito que o homem está a mentir de propósito. Mas a assombrosa nova que ele me traz é ainda mais difícil de acreditar! Estou desesperado. Já não sei em que acreditar ou não. Cairam todas as certezas.
Estou diante das ruinas do meu mundo.

2 comentários:

disse...

Grande artigo, Rini.
Grande pergunta, também.
Grande país, o Canada.
País sem uma Federação de chess nacional...

Rini Luyks disse...

Com as devidas desculpas ao GMI Kevin Spraggett... :)