Nos comentários ao post "O Gato do Alekhine faz ano(s)" de anteontem tive uma interessante troca de ideias com o Reinato sobre o tema "religião".
Mencionei uma lagoa numa floresta na Holanda como um lugar especial de meditação.
Em geral ando lá muito bem acompanhado pelo meu anjo da guarda cuja sombra consegui uma vez apanhar em fotografia...
25 comentários:
Olá Marinus,
belas são as imágens que publicaste, de veras a calma está lá muito presente...
Não sei quando irás lá outra vez, nem se vais lá de "retiro", mas, já que alguma vez visitamos em grupo à Melhor Casta da Alpiarça, estaria eu bem disposto para ir também ao teu Lago favorito...
É só disseres quando.
Capaz que vai alguém mais, o Renato, ou o Rui talvez...
Claro, se te der jeito a ti.
Grande abraço e parabéns pelos post, sempre com grandes temas!
Imagens muito bonitas sem dúvida. Será que te consideras um Ateu Naturalista?
Albertus,
Parte do "encanto" desta lugar também reside na viagem até lá (na boa tradição de Mahatma Gandhi: "A felicidade não está na chegada, mas na viagem") que na Holanda é feita de bicicleta, claro!
Terei todo o gosto em levar-te até lá, mas como disse, é um lugar que "funciona" muito bem para mim, para outros..?, não sei.
No início dos anos´80 eu costumava escrever lá um diário, para mim é um lugar com passado, isto constrói-se aos poucos.
De resto, nem sei quando volto para lá. O plano era já no próximo mês (também para celebrar os 64 anos do meu velho clube de xadrez na Holanda mais os 75 anos do match Euwe-Alekhine!), mas não vai ser possível por causa da nossa estreia e digressão da peça "O Ginjal" de Tchékov...
"K sozhelenyu!"
Reinato,
Em termos de religião/filosofia não quero auto-rotular-me, apenas posso invocar o máximo de Sócrates (o grego, claro): "Só sei que nada sei" (o outro Sócrates também não sabe nada, mas pensa que sabe tudo, é uma disgraça).
Em termos de visão da sociedade serei sempre um libertário-utopista inveterado :)!
Não te queres rotular e depois achas-te um libertário-utopista inveterado!
Desculpa a observação em jeito de brincadeira.
De resto o que te "rotulei" é do meu ponto de vista um bom rótulo, sendo eu Ateu e amante da natureza. Indo um pouco mais longe, como já referi as pessoas têm visões muito distintas da religião, os rótulos servem para enquadrar essas diferentes visões. Este é um assunto que me interessa e sobre o qual leio bastante. É que há os Teístas, Monoteístas e Henoteístas (do meu ponto de vista os católicos não são monoteístas, mas antes pertencentes a este grupo) Deístas, Agnósticos, Ateus, fracos e fortes. Posso acrescentar que me considero incluído neste último grupo.
As coisas não são separáveis , mas um rótulo "racional" parece-me mais fácil de escolher do que um "esotérico"...
Nos últimos 1/2 anos tenho pressentido um ressurgimento do fervor religioso (católico) em Portugal, que eu explico em função da crise crescente que assola o país, crise de quem todos se dizem crer alhear mas que vai minando a consciência colectiva, na forma de preocupação e incerteza em relação ao futuro:
Penso que muita gente procura desesperadamente um apoio e, à falta de alternativa, se vira para a religião.
Noto este ressurgimento na forma de amigos que, nunca tendo sido praticantes, enfiam os filhos nos escuteiros, nas catequeses e nas comunhões, e que os acompanham nestas actividades todos os fins de semana, de Outubro a Junho!
Na minha geração, a sociedade estava secularizada e o ensino religioso entre os jovens era a excepção, agora está a tornar-se regra: a minha filha é das poucas que não a tem, no meio onde vive!
Penso que neste fenómeno está subjacente a vocação religiosa da geração antecedente (os avós destes miúdos) - se estes eram religiosos, os filhos deles (da minha geração), em desespero, tentam passar esses "valores" aos filhos, caso contrário, isso é menos provável de acontecer.
Devo admitir que este avanço da religiosidade está a começar a perturbar a tradicional tolerância que um agnóstico, como eu, tinha para estas questões...
...e julgo que um agnóstico sob pressão só tem uma saída, adoptar a via ateísta...
Dervich
Dervich,
Concordo quase a 100% contudo quero fazer um pequeno reparo à tua última frase
"...e julgo que um agnóstico sob pressão só tem uma saída, adoptar a via ateísta..."
Atenção, o contrário não é verdadeiro ou seja um Ateísta não é necessáriamente um Agnóstico sobre pressão, ou seja eu sou Ateu por convicção, digo explicitamente Deus não existe.
Concordo quanto à raiz das manifestações actuais, e isso me entristece, de qualquer forma dum ponto de vista optimista a humanidade demorará muito tempo a mudar, se é que alguma vez isso chegar a acontecer.
Diderot disse o seguinte:
"O mundo só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre"
Tirando a violência da frase concordo que os reis e os padres não fazem falta nenhuma.
A tua análise parece-me bastante acertada, Dervich.
Medo e auto-censura, "valores básicos" do catolicismo, aumentam sempre em tempos de crise.
O refúgio em comportamentos uniformizados de grupo é uma forma efectiva de alienação e de negação da realidade vivida.
Hitler-jugend, Mocidade Portuguesa, escuteiros (na Holanda os lobatos e lobatas chamam-se "welpen" - crias de leão - e "kabouters" - gnomos -), todas organizações corporativas, todas baseadas (em diferentes graus talvez, mas mesmo assim) na indoctrinação, no incutir da noção de hierarquia e subordinação.
Será coincidência quando o Governo anuncia o seu pacote de novas medidas de austeridade no mesmo dia em que uma manada de 500 mil aclama o Papa Ratzi em Fátima!? Claro que não! É só mais uma perversidade do sistema.
Vamos ver se os portugueses têm coragem para se verem "gregos" (em termos de comportamentos de contestação). Para já o Ministro das Finanças está convencido dos "brandes costumes".
Espero que ele esteja bem enganado!
Reinato :), não conhecia essa de Diderot, mas é bastante imaginativo.
No ano passado participei numa peça de teatro sobre um político revolucionário-liberal português José Estêvaõ (séc.XIX), representada na biblioteca da Assembleia da República.
Uma das (várias) músicas na peça foi: "Ah ça ira, ça ira, ça ira, les aristocrates à la lanterne" (sem especificação do modo de enforcamento), uma canção da Revolução Francesa, também entraram temas como Maria da Fonte e La Marseillaise.
Bastante gratificante, um espectáculo assim para uma plateia de deputados bem alimentados, muitos deles ainda com ar aristocrático!
Marinus, já que gostas de citações, ofereço-te mais duas, dentro das minhas preferidas acerca da religião:
"Religion is regarded by the common people as true, by the wise as false, and by the rulers as useful." — Edward Gibbon
"The whole thing is so patently infantile, so foreign to reality, that to anyone with a friendly attitude to humanity it is painful to think that the great majority of mortals will never be able to rise above this view of life" — Sigmund Freud
Acrescento um extrato do Cântico Negro de José Régio em homenagem ao grande escritor e poeta Português.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Olá muchachos,
gostava de fazer uma descontraída defesa da tese do comentário do caro amigo Dervich, onde ele escreveu:
"...e julgo que um agnóstico sob pressão só tem uma saída, adoptar a via ateísta..." que o dialecticamente instruído Renato (o rei morreu, viva o Reinato!:)) pôs-a em dúvida, ao fazer uso da sempre bem-vinda "lei do contrário", tão útil para verificar a integridade de uma afirmação lógica, através e pelo absurdo.
É ali que quero intervir, já que falamos do "contrário", temos é, corrijam-me se me engano, inverter a frase toda, ou pelo menos, onde diz "...sobre pressão..." devia-se dizer: " ...sob relaxamento...", obtendo logo uma formosa absurda frase---
Então, se o original julga que "... um agnóstico sob pressão só tem uma saída, adoptar a via ateísta..."_ pois um Agnóstico relaxado tranquilamente poderia adoptar qualquer via, ou pelo menos, a de um Ateísta, se se quiser.."....
Cumprimentos
Alberto a palavra contrário não é de facto matematicamente bem empregue.
Neste caso, o que queria dizer era:
agnostico sob pressao => ateista
não significa que
ateista = agnostico sob pressão
ou seja a expressão matemática correcta é a implicação
Se a equação é matemática, isso muda as coisas...
Matematicamente,
agnóstico sob pressao => ateísta
Concordo.
Caro Renato, o que é que achas se um dia nos mandamos para aquele lago holandês, com o nosso querido Holandês---?
Acho boa ideia Alberto, com o Marinus a servir de guia
Guia pode ser, mas só na bicicleta, nada de guru espiritual.
Cada um faz no lago o que quiser: meditar, nadar (não recomendo), dormir, chafurdar na lama (sempre presente na Holanda), comunicar com o único casal de sapos que ainda há (só ao pôr do sol), etc..
.. e aquela troca de "sob pressão" por "sob relaxamento" deve ser uma artimanha do Alberto: ele quer abrir uma clínica Massagens para Agnósticos em regime de monopólio.
Bem pensado, Albertus, deve ser uma mina!
Pronto, Rini:_
fica combinado para quando for possível!
Sobre aquela artimanha, deste-me uma excelente ideia:) Obrigado!
Parabéns ao blog "O Gato do Alekhine" pelo aniversário. Sobre o tema em causa da religião, gostaria de deixar 3 livros: 1-Tomás da Fonseca - "Na Cova dos Leões" (Fátima cartas ao cardeal Cerejeira). Desmonta e denuncia a grande e espectacular farsa de Fátima com documentos da época. 2-Richard Dawkins - "The God Delusion" Deus um delírio. Argumentos de um brilhante pensador actual. Do mesmo autor também "O Espectáculo da Vida" sobre a teoria das espécies que está mais que provada e a cúpula da igreja também o aceita mas os movimentos mais radicais beatos continuam a negar e a lançar a confusão e ignorância sobre as populações mais carênciadas de cultura.
A crise leva a um fervor religioso mas a maioria das religiões estão cada vez mais a perder terreno. As pessoas procuram apoio a diversas carências quer sejam monetárias ou afectivas e o problema é que também não é a igreja que os vai resolver, pois a solução encontra-se dentro de cada um! Até considero, que as religiões só levam é ao hedonismo e a um baixar de braços e não se lutar por nada, nem criar objectivos e planos de vida. Os pais enfiam os filhos em escuteiros, catequeses e comunhões ou porque se querem ver livres deles ou porque acham que isso é um sítio seguro de acordo com o que os seus pais já faziam. É um género de tradição robotizada sem sequer pensarem realmente no assunto! Lembro-me de uma vez que jogava ténis no antigo campo do Parque da Liberdade em Sintra (um autêntico paraíso) com um amigo meu e passarem ao alto cá muito em cima um bando de escuteiros mirins e um deles ter tido a ideia católica de nos apedrejar! Por acaso estávamos atentos e corremos para junto da parede junto á encosta e posso dizer que choveram no campo vários calhaus que se nos acertassem seria a nossa morte!
A principal construção do ser humano é feita através da educação e da formação e a grande maioria dos pais se não a tem como a pode transmitir? Além disso, as coisas mais importantes na vida obtêem-se na formação que implica já um partir de si, um lutar por si e em Portugal a grande maioria fica-se por uma muito má educação e um povo sem conhecimento está condenado. No xadrez isto também é verdadeiro: Quem somos, influência o nosso xadrez e o nosso xadrez influência quem somos.
A luta actual pós 11 de Setembro que coloca de um lado um mundo tecnológico e do outro um mundo medieval é ilustrativo de um mundo a duas velocidades e a humanidade só avançará com a extinção deste atraso enorme. O avanço da religiosidade do lado muçulmano será um dos grandes temas deste século. Prevê-se que em 2020, países como a Alemanha ou França tenham maiorias de população muçulmana e se pensarmos em governos e leis alterados e permeáveis a esta influência, a Europa poderá ter um grave problema entre mãos e será necessário lidar com ele com firmeza colocando o Estado laico acima de tudo. Pessoalmente, prefiro o modelo françês (de pribição de intromissões no Estado laico) que o modelo democrático inglês onde por exemplo os funcionários de um hospital têm já diversas vestes para tratar os diversos doentes, devido ao facto de ter havido agressões a médicos quando não se apresentavam de acordo com determinada religião?!
A alienação das massas é um jogo de ilusões que a igreja sempre jogou com o poder para o controlo das massas. Ainda recentemente, se disse que afinal o terceiro segredo de Fátima afinal já não era o papão do comunismo que dava jeito na altura, e sim a pedofilia! As ilusões vão mudando consoante os tempos.
Qualquer homem de cultura medianamente inteligênte sabe que deus não existe.
José Ribeiro
José Ribeiro, deixe-me felicitá-lo pelo seu excelente comentário com o qual estou totalmente de acordo.
Quanto aos livros que recomenda devo dizer que possuo os dois do Richard Dawkins.
A minha versão do "The God Delusion" foi traduzida para "A desilusão de Deus" imagino que "Deus um delírio" seja a versão brasileira.
Richard Dawkins, é um brilhante pensador, escritor e biólogo, sendo também muito conhecida outra obra dele "O Gene Egoísta".
Eu sou filho de um pai Matemático e de uma mãe Bióloga, não sendo pois de admirar o meu interesse na ciência e na vida.
Desde muito novo me desiludi com Deus, fui vítima de uma doença grave aos nove meses de idade que me fez crescer prematuramente e colocar várias questões que até hoje não foram devidamente respondidas (nunca serão evidentemente).
Um grande abraço para si!
Obrigado. Sim, "Deus um Delírio" é a versão brasileira. "O Gene Egoísta" e o "Relojoeiro Cego" são outras obras bastante conhecidas. Curiosamente, apesar de não ter pais ligados á ciência ou matemática, no meu tempo de universitário, tinha sempre o hábito de visitar as livrarias da baixa na secção de livros de xadrez e astronomia, Stephen Hawking etc. Pessoalmente, estudei história e sempre me habituei a primeiro ouvir argumentos contrários e só depois formar a minha opinião, pois acho isso fundamental e é válido hoje em dia para a multiplicidade de meios de comunicação como sejam, jornais, televisões etc, e no caso da história ainda mais, porque um bom historiador precisa de ter uma distância de políticas e uma visão independente, pois o mundo está cheio de histórias mal contadas ou biografias não isentas ou tentativas de reinscrever a própria história.
Deixo aqui um texto de José Saramago em duas partes.
Um abraço
O Factor Deus
Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há
um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo.
Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver"
cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.
Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi
cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro.
Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras.
Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, seqüestrados por terroristas relacionados com o
integrismo islâmico lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos
States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por
milhares.
As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos
mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo
pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica,
realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mais limpo de
estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem
acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhãode-
mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles
linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar.
(cont) Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção,
nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser
causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, devíamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros,
insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e
em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização
terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.
E, contudo, Deus está inocente.
(cont)Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá
nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os
maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória,
enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator deus", esse, está presente na vida como se efectivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um Deus, mas o "factor Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, e não a outra...) a bênção divina. E foi no "fator Deus" em que o Deus islâmico se transformou,
que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um Deus andou a semear ventos e que outro Deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres Deuses sem culpa, foi o "factor Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais
sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.
Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas
palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu.
Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "factor Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e des graçadamente continuará a demonstrar-se.
Quando me refiro às minhas origens foi por ter orgulho nas mesmas, penso que de uma forma ou de outra há sempre pessoas determinantes naquilo que nos tornamos.
Às vezes ponho-me a pensar que hipóteses terão aqueles que nasceram em países onde desde pequenos são doutrinados nas religiões mais radicais.
É responsabilidade dos politicos, governantes e dos homens em geral, fazer com que as crianças através do acesso à educação, promovam o espírito livre e a capacidade de questionar.
Neste aspecto em particular, temos estado muito mal servidos desde à muitos anos a esta parte.
O terceiro livro mencionado por José Ribeiro (obrigado pelos comentários certeiros): "Na Cova dos Leões" de Tomás da Fonseca da editora Antígona será livro do dia amanhã quarta-feira dia 19 na Feira do Livro (prolongado uma semana), pavilhão A66, preço 11,90 (em vez de 19,90)!
Editorial e crítica no meu outro blogue http://anacruses.blogspot.com/, post 10 de Maio.
Boa tarde Renato e Marinus,
Percebi que o Renato tinha orgulho nas suas origens e educação e muito bem! A nossa educação e formação, é das coisas que um ser humano mais se deve orgulhar. Realmente quando vejo documentários sobre o Afeganistão sobre aqueles individuos que numa total ignorância são doutrinados para matar em nome de um Deus e de uma causa mulheres que querem estudar e saber mais é arrepiante, mas estou seguro que uma sociedade assim que apenas ensina a lingua, a matemática e a religião, não terá nunca qualquer hipótese de vencer uma civilização livre e desenvolvida. O conhecimento é mesmo a chave e faz-me lembrar sempre a alegoria de Platão.
Obrigado ao Marinus pela informação sobre o livro e o blog. Peço desculpa por o meu texto do Saramago ter sido colocado meio em brasileiro, mas já não tive tempo de o corrigir.
Abraços,
José Ribeiro
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