Uma comparação seria uma blasfémia, mas a jogada 22...h5 mate na partida imortal de Najdorf (post anterior) faz-me lembrar uma partida que joguei em 1989 contra "good old" Renato Figueiredo.
Foi na última ronda do Open de Verão do SL Benfica, ainda na antiga sede do clube na Rua Jardim do Regedor (Restauradores).
O Open foi mesmo "de Verão", estávamos em finais de Agosto com as temperaturas a rondar os 40 graus.
Na penúltima ronda eu tinha conseguido salvar uma partida Benoni completamente perdida contra Raul Lopes e agora o jogo contra Renato Figueiredo era decisivo: o vencedor ganhava o torneio.
Para aumentar as minhas hipóteses achei que tinha chegado o momento para uma pequena extravagância...
Dirigi-me à loja do conceituado alfaiate "Nunes Correia" na Rua Augusta. Normalmente os preços praticados neste estabelecimento não estão ao alcance dum pobre artista, mas Agosto é mês de saldos (ainda por cima era "Semana do Fato") e consegui comprar um belo fato branco de Verão com mais de 60% de desconto.
A condizer com o fato encontrei numa não menos conceituada sapataria, a loja "Jandaia" na Rua do Carmo, um elegante par de sapatos de cabedal castanho, também nos saldos, claro.
Assim, aprumado e com indumentária impecável, entrei na sala do torneio. O director da prova, o saudoso seccionista e grande benfiquista Vasco Santos, habituado a ver-me em traje mais modesto, primeiro arregalou os olhos, mas depois percebeu: hoje é a sério! Até o único participante do sexo feminino, uma jovem mulher bastante bonita, reparou em mim (esqueci-me do nome, acho que ela já não joga).
Agora faltava só produzir uma partida ao nível do fato...
Renato Figueiredo - Marinus Luyks, Lisboa 1989
Defesa Francesa, variante Winawer
1. e4 - e6; 2. d4 - d5; 3. Cc3 - Bb4; 4. e5 - c5; 5. a3 - Bxc3+;
6. bxc3 - Ce7; 7. Dg4 - Dc7; 8. Dxg7 - Tg8; 9. Dxh7 - cxd4;
10. Ce2 - Cbc6; 11. f4 - dxc3; 12. Dd3 - Bd7; 13. Cxc3 - a6;
14. Bd2 - 0-0-0?! bastante duvidoso, 14...Tc8; 15. Tb1 - Ca5;
16. Dd4 mais chato parece-me 16. Be3 - Cc4; 17. Bf2 - Cc4;
17. Bxc4 - dxc4 agora as pretas estão bem; 18. Tg1 - Cf5;
19. Df2 - Bc6; 20. Ce2 (diagrama)
20...Txd2!? tudo ou nada, a tentação era grande;
21. Rxd2 - Td8+; 22. Rc1 ou 22. Re1 - Da5+; 23. c3 - Dd5 com boa compensação (23. Rf1?? - Dd2 -+) - Da5; 23. Rb2? perde logo, melhor: a) 23. De1 - Dxa3+; 24. Tb2 - Da1+ e xeque perpétuo (24...De3+!?); b) 23. Tb2!? e 24. Rb1 - Td2; 24. De1 - Ce3; 25. Tc1 - c3+!; 26. Cxc3 - Cc4+; 27. Rb3 - Dxa3+; 28. Rxc4 aqui hesitei um momento, mas "gentleman" Renato sorriu e apontou para o peão e6: "Com o peão francês!" Claro, seria um pecado contra a estética jogar aqui 28...b5+?? - Bd5+!; 29. Cxd5 - exd5 mate 0 - 1
Com algum embaraço tenho de confessar que pouco tempo depois do momento da foto aqui acima o fato deixou de me servir.
Por razões óbvias...
5 comentários:
Interessante jogo, embora muito complexo na parte dos sacrificios e na anotação que ainda não consigo perceber completamente... Paciência.
Parabéns pelo fato! Muito jeitoso. Com um fato assim, as peças até jogam sozinhas.
Um abraço.
Não sei as peças jogam sozinhas, o que pode acontecer é os pensamentos do adversário ficarem um pouco ofuscados por tanta brancura. Pelo menos lá em Ceuta salvei um empate a partir duma péssima posição contra um bom jogador marroquino.
De resto surpreende-me a ausência de comentários críticos a este post não despido de alguma vaidade...
Em relação a foto por exemplo: alguém podia lembrar-se (eu lembrava-me de certeza) dos macaquinhos a saltarem no promontório de Gibraltar atrás da minha cabeça. Os bichos aparecem sempre com destaque nas reportagens sobre o Festival de Xadrez no Gibraltar (site: http://www.gibraltarchesscongress.com/).
Bom fato, Rini!
Eu bem precisava de um...:)
Eu dava te o meu, Albertus, mas como já percebeste...pela última frase do post :)...
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