quarta-feira, 8 de junho de 2011

"O homem mantém a mão na peça durante o tempo que quiser"!?


O melhor humor nasce muitas vezes não intencionado.
Não questionando minimamente a justa causa da reclamação do alekhinista Ricardo Balona, soltei mesmo assim uma gargalhada monumental ao ler o seu mail "Regras do Jogo de Xadrez e comportamento de jogadores", dirigido a Rúben Elias, mas como afirma o autor: "Faço questão de que esta minha reclamação chegue ao conhecimento de todos os praticantes de Portugal (federados ou não)".
Por isso: cá vai!

"....Relativamente ao movimento de uma peça de xadrez (um lance) dizem as Regras desde que o Jogo de Xadrez foi inventado, mas mais completamente expressas nos Tratados das décadas de 1890, 1900, 1910 e 1950 que: UM LANCE ESTÁ COMPLETO NO INSTANTE EM QUE O JOGADOR (uma vez a peça assente na casa) LARGA A PEÇA, sendo que o jogador uma vez colocada a peça na casa, TEM DE LARGAR IMEDIATAMENTE A PEÇA. Nem podia ser de outra maneira!!! Obviamente!
Ora hoje no Circuito de Lisboa de Semi-rápidas nas Amoreiras na 3ª sessão o jogador com quem eu estava a jogar (que dá pelo apelido de Frango e pelo nome próprio de David, portanto o jogador David Frango) em todos os lances que executava colocava a peça na casa e MANTINHA A MÃO AGARRADA À PEÇA durante um tempo interminável. Chamei-o à atenção para o seu comportamento aberrante num determinado lance, e convencido de que ele não voltaria a ter tão esquisito comportamento, dispus-me a continuar a partida. Eis senão quando o dito cujo indivíduo logo no lance a seguir (à laia de: "eu faço como quero") pegou na Torre, assentou-a na casa para onde pretendia jogá-la e "manteve ostensivamente" a mão na peça durante uma eternidade, visivelmente para marcar com arrogância o seu finca pé. A demora em largar a peça era tão estranha que eu cheguei a pensar que ele tinha adormecido a meio da execução do lance, como aconteceu àquele indivíduo que adormeceu a meio do assalto a um armazém no Algarve.
Bem, eu perante cena tão aberrante, chamei o árbitro e alertei as pessoas do tabuleiro do lado que por acaso era o LUIS ALVES. Foi então que uns segundos antes do árbitro chegar junto do tabuleiro em contencioso ouvi da boca do presidente da AXL este desabafo lapidar, uma pérola de ignorância duma regra milenar : "O homem mantém a mão na peça durante o tempo que quiser". Esbandalhei todas as peças que ainda estavam em jogo ( com seguras perpectivas de vitória para mim ) e declarei ao Luis Alves, olhos nos olhos, a minha grande estranheza pela sua manifesta ignorância, dizendo-lhe que iria comunicar a toda a comunidade xadrezística esta inopinada cena protagonizada por mim, pelo concorrente David Frango e pelo presidente da AXL. O árbitro entetanto chegado reconheceu a minha indiscutível razão, obviamente, e o D. Frango ficou a saber que comigo (viva eu trezentos anos, mil ou dez mil anos) nunca mais jogará em qualquer parte do mundo.
A conveniência de divulgação deste meu e-mail é esclarecer duma vez para sempre todos os que gostam de jogar xadrez de que numa partida de xadrez "um lance só está completo quando o jogador largou a peça, mas a peça é para largar imediatamente, a não ser que no espírito do jogador tenha surgido alguma dúvida quanto `bondade do lance, durante o trajecto da peça enquanto vai no ar, mas nesse caso, que de vez em quando acontece a qualquer um, o jogador volta a colocar a peça na casa de onde saiu, e reconsidera a sua jogada, estando apenas obrigado a jogar aquela peça visto que já lhe tocou. Estas coisa têm uma lógica e o Jogo de Xadrez é uma modalidade científica (álgebra pura) que não podia permitir "expedientes de duvidosas intenções nem espertezas saloias" No xadrez a decisão de um lance é um exercício intelectual realizado mentalmente no espaço...."


Tenho que dar os meus sinceros parabéns ao Ricardo Balona por partilhar connosco esta preciosa peça de prosa.
Consigo imaginar (e muito bem) o dirigente Luís Alves a pronunciar a frase no título deste post "desabafo lapidar, pérola de ignorância duma regra milenar" (rima assombrosa do autor) , só posso lamentar não ter assistido ao vivo :))!

3 comentários:

disse...

A riqueza da língua portuguesa...

Anónimo disse...

Há uma variante desta situação:

O jogador não larga a peça e, de braço estendido, olha para o tabuleiro a partir do seu lado esquerdo para o lado direito, por cima do braço e debaixo do braço, depois por cima do braço e debaixo do braço mas a partir do lado direito para o lado esquerdo...finalmente, convencido que a sua peça não será tomada por um qualquer tubarão vindo das trevas, deposita-a por fim no quadrado, relaxado e seguro de si, simplesmente para ouvir o adversário dizer "caiu a tua seta"!...

O comportamento é de facto aberrante, embora me pareça também que não há um limite de tempo estipulado para largar a peça...e provavelmente não o estaria a fazer premeditadamente mas apenas por insegurança. No entanto, depois de chamado à atenção, deveria ter tido na verdade um comportamento mais humilde e respeitar mais o adversário...

Efectivamente, é insólito segurar na peça sobre uma casa durante, por ex., 5 segundos (bloqueando a visão sobre o tabuleiro) e, subitamente, pousá-la e carregar no relógio em 2 décimas de segundo!...

Ou então, pior ainda, segurar na peça durante 5 segundos e, de súbito, no intervalo de 1 segundo, depositá-la noutra casa e carregar no relógio!...

Dervich

Rini Luyks disse...

Ainda a lembrar uma situação completamente oposta: o incidente Polgar-Kasparov, Linares 1994, onde em apuros de tempo Kasparov jogou 36. ...Cd7-c5 e largou (segundo testemunhos) a peça durante um décimo dum segundo antes de "reconsiderar" (pois 37. Bc6 seria 1-0) e jogar 36...Cd7-f8.
Depois ele ganhou a partida (a ver em http://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1070704 ).